Foto de: Hinnerk Rümenapf; Fonte: Wikimedia Commons
Olá leitores, antes de entrar no assunto, eu gostaria de dizer que este texto é fruto da minha própria experiência tanto em irish sessions quanto em outros tipos de roda de música como rodas de choro e algumas raras canjas de jazz que já vi na vida, por isso, escrevo pensando em música irlandesa, mas as regras de boa convivência são as mesmas para qualquer estilo musical que você decida aprender. Além disso, normalmente eu escrevo pensando no violão, pois é o instrumento que eu costumo tocar nas sessions, mas isso também é válido para instrumentos melódicos ou rítmicos.
Tocar junto com outros músicos é um desafio por si só, pois independentemente do tipo de grupo (uma banda ou uma roda informal), exige estudo, dedicação, percepção e autopercepção. Podemos tocar juntos montando uma banda e, neste caso, é preciso muito diálogo para construir arranjos que contemplem a fala musical de cada integrante da banda e também muito ensaio para consolidar as convenções e combinados. Mas a prática de roda de música informal é bem diferente porque ela não tem arranjos específicos nem nada ensaiado.
Você já tocou um instrumento harmônico em uma irish session? Se sim, como foi sua experiência? Sentiu que o clima estava tranquilo ou percebeu algum estranhamento das pessoas ao seu redor? Se houve este estranhamento, prepare-se, pois ele pode ter sido causado por você. Mas não se preocupe e nem mesmo culpe-se, pode ter sido por uma pequena ingenuidade advinda da falta de prática neste tipo de evento.
Como regra geral, começar a tocar um instrumento em uma session, especialmente instrumento harmônico e/ou rítmico, é bem parecido com ir visitar uma pessoa na casa dela. Você não entra na casa do sujeito e vai abrindo a geladeira, mexendo nos armários e ligando a música, certo? Pelo contrário, você pede licença para entrar, se necessário, tira os sapatos e fica atento aos costumes desta pessoa fazendo o possível para respeitá-los. Pois dentro de uma roda de música é a mesma coisa. Você está em um ambiente novo e pode ser que as pessoas sejam, ou não, novas para você mas, independente disso, é importante prestar atenção a certos detalhes que vão te ajudar a respeitar tanto o evento em si quanto quem já vinha para este ambiente antes de você chegar e também vão te ajudar muito a desenvolver um ouvido musical mais específico para aquele ambiente ou estilo. Então vamos a eles:
-CONVERSAR COM OS MÚSICOS MAIS VELHOS/FREQUENTES
Provavelmente você vai chegar na irish session e já vão ter algumas pessoas lá. Procure conversar com estas pessoas a fim de saber como são as coisas nesta roda. Como fazer um pedido de licença para entrar na casa de alguém. Além de tudo, te ajuda a começar a conhecer quem já estava no ambiente antes de você chegar.
- AFINAÇÃO
Aproveitando a conversa com o pessoal, além de afinar seu instrumento com o afinador, confira se a afinação bate com a dos instrumentos ao redor. Pode acontecer de alguém usar um padrão de afinação diferente do seu (que não seja o A440Hz). Não sei se alguém aí já sentiu isso, mas quando há desafinação entre os instrumentos, nosso ouvido percebe através da sensação de uma faca serrilhada entrando e saindo. Sério, é horrível. Parafraseando um amigo músico: “a afinação não é opcional” por isso, verifique se você está afinado com os outros instrumentos perto de você. Sabe aquelas imagens que estão inteiramente simétricas mas um pequeno detalhe está fora? E fica aquela vontade de arrumar aquilo a qualquer custo? Pois essa é a sensação da desafinação, especialmente quando ela está diferente mas é pouca coisa.
Imagem da sensação de um instrumento desafinado. Ops, não! Brincadeira. Rs Mas alguém arruma aquela janela, por favor?!
- OUVIDO ATENTO AO AMBIENTE
Quando a música começa é que a coisa fica divertida não é? Sim! É o momento perfeito pra gente se empolgar e tocar forte. Mas, sendo a primeira ou uma das suas primeiras sessions, segure a onda um pouquinho e permita-se ouvir a música. Se já tem alguém tocando violão ou algum instrumento harmônico, ouça os acordes que essa pessoa faz, tente entender como estes acordes se relacionam com a melodia, e, principalmente, preste MUITA atenção à mão direita (se for um violão, bouzouki ou afins) ou à maneira como este instrumento executa a rítmica (por exemplo um acordeon que usa a abertura do fole associada às mãos). Se você quiser tocar junto, tudo bem, mas não toque alto pois pode ser que você ainda não saiba os detalhes do estilo musical e, mesmo conhecendo os acordes, esteja fazendo algo que destoa, por isso, tente copiar atentamente o que esta pessoa faz mas em um volume mais baixo. Dessa forma você estará somando ao som da roda e não atrapalhando. E, de quebra, você ainda vai aprender a linguagem de tanto copiar o músico que você está observando. Se abrir um espaço, toque sozinho, mas não faça isso se ainda houver um instrumento harmônico tocando pois, quem chegou por último, precisa respeitar quem já estava antes.
- TOCAR IGUAL OU NÃO TOCAR JUNTO
Reforçando o tópico anterior. Se você for tocar junto com os instrumentos harmônicos que já estavam ali antes, toque copiando a harmonia deles, mudando de acorde junto com eles e fazendo o mesmo ritmo que eles. Preste atenção a acentuação da música(tempos fortes e fracos) pois isso define muito da linguagem e lembre-se: busque não deixar o som do seu instrumento ficar mais forte que o dos outros.
Uma outra opção muito boa é o revezamento. Em algumas músicas você toca e em outras, os outros instrumentos harmônicos. O motivo disso é que, como na música irlandesa a harmonia não é fixa, ou seja, não é sempre a mesma e cada músico constrói a sua própria cadência, provavelmente os acordes de cada músico irão se chocar(alguém tocaria Bm no mesmo ponto em que outro talvez escolha o D, por exemplo), por isso é necessário que se faça algum combinado como estes propostos antes. Ou os músicos definem alguém para copiar (como no “siga o mestre”), ou revezam.
- RITMO E TONALIDADE
As músicas irlandesas tem uma linguagem bem específica, e linguagem significa uma forma própria de fazer a acentuação, ritmo e harmonia em cada música. Preste muita atenção nisso. Busque ouvir qual é a tonalidade da tune que está sendo tocada e, se você achar que não a encontrou, pergunte. O mesmo vale para o ritmo, acentuação. É a coisa mais gostosa quando tocamos juntos na mesma afinação, ritmo e tonalidade. Um querido professor de flauta de Bauru (interior de São Paulo) me dizia assim: “um instrumento musical pode ser uma arma mortal nas mãos erradas” rs. Claro que ninguém vai morrer literalmente, mas quando alguém na roda está tocando no tom errado ou fazendo o ritmo errado, é um incômodo grande.
Uma dica boa se você toca violão é abafar o som das cordas e tocar somente com a mão direita para aprender bem o ritmo, pois é mais válido tocar uma boa rítmica em um único acorde a tocar uma linda harmonia na rítmica errada.
A convivência em grupo sempre exige esta dupla: definir regras (e segui-las) e usar a percepção para entender melhor o ambiente. Isso é válido para qualquer tipo de evento e, por isso, estas dicas podem ser aplicadas desde a roda de choro até a orquestra sinfônica.
Geralmente eu escrevo pensando em quem está começando agora mas, quando nós já temos alguns anos de experiência, temos a tendência de achar que sabemos mais e, por isso, acabamos ignorando algumas dessas regras gerais. Estou me colocando junto pois me esforço para, neste sentido, sempre me ver como uma iniciante buscando conversar com quem está ao meu redor, ouvir os outros harmônicos, não destoar destes e ficar atenta ao ritmo que estou fazendo (se ele está mesmo de acordo com o que está sendo tocado). Não temam voltar ao básico mesmo depois de alguns anos de experiência, só vai agregar, jamais te diminuir.
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