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Curiosidades: Por que a geração anterior é sempre a melhor?

Atualizado: 21 de abr. de 2023


Photo by Sandro Henrique Bueno



Na semana passada, estava eu sozinha perambulando por Clonakilty (uma cidade bem gracinha em West Cork) tentando achar uma session para tocar. Não conhecia nada da cidade e, por isso, saí pelas ruas com os ouvidos atentos para ver se eu não escutava um fiddle, uma flauta, uma gaita no ar… qualquer vestígio de que tinha uma session rolando! Até que, entrando em uma ruazinha, escutei o som de um fiddle muito bem tocado vindo de um dos pubs. Entrei, pedi uma bebida e fiquei no balcão fazendo o “reconhecimento” do lugar, observando a session e as tunes tocadas. Era uma session de apenas três pessoas. Três jovens, que acredito terem no máximo 18 anos. Uma menina no fiddle, uma outra na harpa, e um rapaz na flauta e tin whistle. A linguagem daquele pessoal e a complexidade musical era tão grande que eu não senti nem um pingo de vontade de me juntar a eles “para não estragar”. Só queria ficar escutando, observando… E ali fiquei, por duas horas, pensando em várias coisas. E a questão das “gerações” no trad é algo que ficou pipocando na minha cabeça.


Para explicar um pouco mais o meu raciocínio, tenho que citar o conceito básico do nome “música tradicional irlandesa”. Aliás, se você quer entender um pouco mais sobre isso, leia este artigo aqui que está bem sensacional! Mas enfim - a definição de música tradicional pode ser complexa em vários pontos - linguagem, repertório, compositores e influências externas. Uns dizem que é muito antiga, outros dizem que é contemporânea. Os dois podem estar corretos, de certa forma. Na minha própria experiência, quando conto (especialmente no Brasil) que toco música tradicional irlandesa, o pensamento errôneo de muita gente é de uma música da época medieval ou até mesmo da época dos povos antigos que habitavam a Irlanda, também conhecidos como os Celtas. Não culpo as pessoas por pensarem desse jeito logo de cara já que a informação que chega para a gente no Brasil, que não é um país colonizado por irlandeses e ingleses, vem da indústria fonográfica e de filmes acompanhados por castelos, dragões, elfos, fadas, hobbits, cavaleiros das Cruzadas e mulheres ruivas camponesas de espartilho e tranças que vão até a cintura. E com uma pitada de Jack e Rose dançando loucamente na terceira classe do Titanic. Pois é. São muitas informações bem confusas nas quais os filmes e séries associam à música irlandesa atual.

Não quero me aprofundar aqui neste artigo sobre as pesquisas interessantíssimas de tunes antigas, que às vezes podem até ser próximas da idade média ou de alguns poucos séculos depois, mas uma coisa podemos confirmar - a tal música tradicional irlandesa que conhecemos hoje em dia é muito nova. Mesmo com algumas melodias antigas, a maneira na qual as tocamos e a maneira em que soam os instrumentos é pelo menos dos anos 50/60 pra cá. E claro, está em constante evolução. Isso não é exclusividade da música tradicional irlandesa. Tudo que está em constante evolução funciona assim.


Com esse último fato, entra a questão das gerações na minha cabeça. Onde começa a sutileza das mudanças em uma linguagem sem perder a sua base, como aquela galerinha da session estava fazendo e tantos outros jovens fazem também? Já escutei de pessoas mais velhas e até bem renomadas na música tradicional irlandesa de que o que as pessoas estão fazendo hoje já não é mais música irlandesa. “Nada como aquela antiga, da minha época…aquilo sim era tradição!” - sendo que várias vezes isso é relacionado a De Danann, Planxty, The Bothy Band… todos aqueles que nos anos 70 eram revolucionários e que, se comparado à geração anterior, quebraram altas barreiras trazendo a influência da música Balcã e harmonia nas tunes que antes eram só melodias, que quando tocadas em palcos eram apenas em Ceili Bands, ou apenas dentro de casa. E tenho certeza que a geração anterior a essa também pensava o mesmo dos mais velhos. E assim vai.

Me lembro daquele filme “Meia Noite em Paris”, em que o personagem principal volta algumas décadas e presencia a Paris nos anos 40 e fica encantado com tudo aquilo, como se fosse o mundo perfeito. Até que, nessa mesma realidade paralela da década de 40, ele conhece uma moça que sonha poder viver décadas antes disso, pois na cabeça dela aquele mundo atual estava perdido e que os “tempos de antigamente” eram bem melhores e não tinham problemas.


Temos que ter sempre a cabeça aberta para encarar o que novos músicos têm a propor, porém também é muito importante saber e respeitar a origem do que veio antes. Sem isso, a música pode se descaracterizar totalmente e virar uma linguagem totalmente diferente - o que não é uma coisa ruim e proibida - só não é necessariamente um ramo da evolução daquela música tradicional que você se propõe a tocar. Os jovens daquela session do início tinham uma linguagem tão impecável que parecia que veio junto com os seus genes, correndo no sangue de cada um deles. Eu acredito que não seja porque são irlandeses, mas porque sempre tiveram acesso àquela música muito de perto, provavelmente desde que nasceram, escutando tanto os antigos tocando quanto os novos. E por isso eles traziam uma linguagem muito forte, mas com ideias e variações muito sutis e modernas. Coisas que claramente vieram de Martin Hayes, Mike McGoldrick, Brian Finnegan, Lúnasa, Talisk e etc.


Deixo aqui a reflexão e o convite para você que toca, gostaria de tocar, compor ou apenas conhecer mais sobre música tradicional irlandesa - tente escutar gerações diferentes (mesmo que você já tenha um estilo favorito) e entender de onde aqueles artistas aprenderam a tocar daquele jeito e como eles conseguem manter uma música característica e viva.


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