Se você, querido leitor, já andou vasculhando o mundo da música irlandesa, certamente já se deparou com esse nome ou já ouviu alguma coisa, mesmo que de relance. Aposto que até mesmo quem nunca se interessou pelo assunto já ouviu, sem se dar conta, a tin whistle ou as uilleann pipes do genial Paddy Moloney e a sua trupe de chiefs.
Este artigo inicia uma série de artigos que vão ser lançados esporadicamente sobre esses distintos senhores que são de fato pais da tradição musical irlandesa. Não podia ser de outra forma, dada a relevância, influência e vasta produção desenvolvidas nos quase 60 anos de atividade.
Embaixadores Musicais da Irlanda (título honorário concedido pelo governo irlandês à banda em 1989), The Chieftains começaram a sua jornada em 1962 a partir das ideias de Paddy. Whistler e piper desde a infância, ele tinha ambições musicais maiores do que tocar solo, em casa ou no pub, como era feito na época. Foi depois de fazer parte do grupo inovador do visionário Sean O’Riada, o Ceoltóirí Chualann, que suas ideias começaram a tomar forma. Nesse grupo estiveram vários dos que fizeram parte dos Chieftains posteriormente.
À pedido do Hon. Garech Browne, um aristocrata, mecenas e colecionador de arte, e de sua recém fundada gravadora, a Claddagh Records, saiu o primeiro álbum levando o mesmo nome do grupo. Inspirado em um poema de John Montague, Chieftain designa um chefe de tribo ou clã.
Esse álbum contava com Seán Potts na tin whistle, Michael Tubridy na flauta irlandesa e concertina, Martin Fay no fiddle e David Fallon no bodhrán além de Paddy Moloney.
A formação foi passando por mudanças no decorrer dos anos, primeiro com Peadar Mercier substituindo David Fallon no bodhran e a adição de Seán Keane no fiddle, depois com a entrada do gênio pitoresco Derek Bell na harpa, piano e dulcimer, e, por fim, a saída de Peadar, Michael e Seán Potts e a entrada de Kevin Conneff no bodhrán e voz e Matt Molloy na flauta irlandesa, encerrando a nomeação de novos Chieftains.
Depois do primeiro disco se seguiram outros 43 e muitos shows ao redor do globo, realizando o que eles sempre fizeram de melhor, divulgar para o mundo a música irlandesa de todas as formas que estavam ao seu alcance. Além dos álbuns, eles ganharam 6 Grammys, tocaram para o Papa, para a Rainha Elizabeth, foram o primeiro grupo não americano a tocar no Capitólio, foram o primeiro grupo ocidental a tocar nas Muralhas da China, fizeram parte da abertura daquele que é tido como o maior show da história da música, o “The Wall” do Roger Waters em Berlim em 1990, fizeram trilha sonora (Barry Lyndon, Far and Away, Rob Roy, Braveheart e outros) e colaboraram com uma infinidade de artistas, como: Michael Flatley, James Galway, Van Morrison, Sinéad O’Connor, Sting, Frank Zappa, The Corrs, Rolling Stones, Mark Knopfler, Emmilou Harris, Carlos Nuñez, Madonna, Luciano Pavarotti, Mario Frisina, Ziggy Marley, Joni Mitchell, Loreena McKennitt, Mike Oldfield, Bela Fleck e muitos mais! E porque este mundo ainda é pouco, mandaram a tin whistle do Paddy Moloney e a flauta irlandesa do Matt Molloy para a Estação Espacial Internacional em 2010!!!
É impressionante ver um grupo de música tradicional chegar a esse ponto!
Pode ser um pouco estranho para o nosso ouvido de hoje escutar os primeiros discos deles, e decerto não foi menos estranho para os ouvidos daquele tempo. Os timbres dos instrumentos seriam pouco refinados para os ouvintes habituados a orquestras e curiosamente vanguardista para os ouvidos mais tradicionais, para os quais o acompanhamento da melodia simplesmente não existia, nem harmonicamente, nem em contraponto.
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Os arranjos, bastante singelos nos primeiros álbuns, foram ficando cada vez mais elaborados com o passar do tempo, estabelecendo a sonoridade clássica dos Chieftains especialmente no álbum Boil The Breakfast Early (The Chieftains 9), quando se fixa a formação final e que perdurou por mais tempo.
Mesmo em projetos que apontavam para fora da música irlandesa, como os álbuns Celtic Wedding, Over The Sea to Skye, Fire in The Kitchen e Santiago, dedicados à música bretã, à escocesa, à de Cape Breton no Canadá e à galega respectivamente; Another Country, Down The Old Plank Road e Further Down The Old Plank Road dedicados à música americana; os álbuns com convidados de outros gêneros, The Long Black Veil e Tears of Stone; e até os mais arrojados como viagem para a China, The Chieftains in China, e San Patricio, que remete a uma inusitada relação entre a Irlanda e o México, a personalidade marcante de Paddy Moloney, claramente expressa nos seus instrumentos, a fluidez de Matt Moloy, a precisão e o carisma de Kevin Conneff, o estilo rico de Seán Keane, a versatilidade virtuosa de Derek Bell, a doçura e clareza de Martin Fay e o legado que os outros Chieftains deixaram no grupo, todos esses aspectos permanecem.
Em 2019, eles saíram em uma grande turnê de despedida chamada “Irish Goodbye Tour”, mas que foi interrompida pela pandemia. O adeus fica inconcluso com o falecimento de Paddy Moloney anunciado no dia em que este artigo estava programado para ser publicado, fato que pessoalmente nos marcou a todos os membros d'O Pint Diário.
Fica a nossa homenagem a esses baluartes da música tradicional irlandesa, especialmente ao Chieftain dos Chieftains, Paddy Moloney.
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