“Fiddle” - Talvez você ainda não esteja familiarizado com este nome, mas tenho certeza absoluta que você conhece este instrumento. Tocado no mundo inteiro em milhares de culturas diversas, o fiddle talvez seja um dos instrumentos mais populares do planeta. Não necessariamente apenas na música popular, mas também na música clássica. Sim, é o famoso e amado violino! E por quê então é chamado de Fiddle na Irlanda?
Bom, o instrumento em si é o mesmo. Mesmo corpo, mesmas cordas, mesmo arco… porém a forma de se tocar é bem diferente do violino clássico. Desde a maneira de segurar o violino e o arco até o dedilhado, a combinação de cordas e as acentuações diversas. O termo “fiddle” não é apenas usado na música tradicional irlandesa, mas também pode ser encontrado no old time americano, no bluegrass, no western swing, na música balcã, na música tradicional dos países nórdicos, no folk em geral...ou seja, nos estilos onde o instrumento não é tocado da maneira erudita e sim de forma mais popular, sem tantos vibratos ou ordem de movimento de arco e com uma liberdade maior de variações, improvisos, marcações rítmicas e experimentações.
Tendo essas informações é fácil associar com a nossa Rabeca - instrumento popular usado principalmente na música nordestina que também se assemelha ao violino. Porém não podemos dizer propriamente que a rabeca é o nosso fiddle por razões de ser outro
instrumento, com outro material, tamanho e afinação. Claro que ela vem da família do violino, mas não é o MESMO instrumento tocado de maneira diferente. Não tenho muita propriedade para falar da rabeca, mas como é um instrumento encantador e que de certa forma nos lembra um pouco do fiddle por seu uso, vale a pena ser mencionado.
Recomendo muito a página no instagram “Rabequeiras” de Carla Raíza para os interessados na nossa versão mais “popular” do violino, onde tem muita informação sobre o assunto!
Mas voltando ao fiddle - a história desse instrumento é muito antiga, como vocês podem imaginar. Não se sabe muito bem o lugar onde o primeiro instrumento dessa família surgiu, pois se tem registros antiquíssimos em praticamente todos os lugares da Europa central, da península Ibérica e obviamente do oriente médio - e todos com pequenas diferenças, mas claramente da mesma origem. Ainda assim, o violino que conhecemos hoje surgiu no norte da Itália em meados do século 16 e foi se espalhando pelo mundo desde então. No século 17 o fiddle começou a ganhar popularidade na Irlanda e na música tradicional, assim sendo considerado um dos instrumentos mais tradicionais da história do trad. Normalmente era tocado sozinho ou acompanhado de um canto, divertindo pessoas em festas e jantares casuais.
A tradição do fiddle foi passada por gerações, mas claro que o que conhecemos hoje como música tradicional irlandesa não é a mesma coisa que nos séculos anteriores. Por conta da repressão sofrida na Irlanda por centenas de anos, a música tradicional não era bem vista e foi proibida por muito tempo. Após a Irish Famine, milhares de irlandeses migraram para os EUA e levaram a cultura para o novo mundo, ainda assim deixando o legado das tunes e da tradição do fiddle para as próximas gerações. Essa breve história da Irlanda é muito importante para entendermos como o fiddle voltou a ser popular na ilha esmeralda!
Um fiddler da região de Sligo chamado Michael Coleman migrou para os EUA quando ainda era um jovem adulto e começou a ganhar reconhecimento tocando música tradicional em casas de show e teatros, sendo o primeiro fiddler de música tradicional irlandesa a gravar um disco. Isso parece pequeno hoje em dia, mas abriu o caminho para toda a cena de música tradicional irlandesa que conhecemos hoje.
Assim como no séan-nós, no bodhrán, na flauta e em outros instrumentos, o fiddle é tocado em diferentes estilos dependendo da região da Irlanda. Os mais populares são os estilos de Sligo, Galway, Donegal, Kerry e Clare, cada um com suas peculiaridades. Alguns usando o arco de maneira mais ritmadas e outros usando mais ornamentações no dedilhado, por exemplo. Além do repertório de cada fiddler, que também normalmente é influenciado por essas diferentes regiões.
A lista de fiddlers maravilhosos é gigantesca, mas não posso deixar de mencionar alguns exemplos da música atual que são grandes inspirações para mim e para muitos.
Martin Hayes, por exemplo, é um fiddler renomado da região de Clare, e que está mudando toda a concepção de arranjos nas música tradicional sem deixar de ter uma linguagem extremamente fiel.
Kevin Burke é outro fiddler sensacional, no qual tive a oportunidade de assistir um show intimista onde havia apenas o fiddle, sem acompanhamento algum. E foi sensacional! Cada nota, cada ornamento, cada intenção era sentida.
Liz Carroll é uma fiddler e compositora americana de família irlandesa. Ela possui um Grammy e além do vasto repertório de tunes tradicionais, ela apresenta muitas composições próprias e segundo eu, é a fiddler mais rock n roll que eu já vi. Cheia de sutilezas e variações, Liz tem um estilo muito próprio de tocar e, pessoalmente, é minha musicista favorita.
Não posso deixar de lado a grande Siobhán Peoples, que vem de uma linhagem de músicos importantíssimos, incluindo seu pai que também foi um grande fiddler, Tommy Peoples. Siobhán toca desde os 11 anos e atualmente é um nome muito mencionado no meio da música tradicional, e ministra muitos cursos, workshops, além de ser tutora na Universidade de Limerick.
Além de tudo isso, nós d’O Pint Diário fizemos uma live a um tempinho atrás com a fiddler brasileira Ana Cardon, e lá ela nos conta da experiência dela com o fiddle em seus 10 anos morando na Irlanda e experiências pessoais com nomes importantes da cena. Depois de conhecer um pouco mais sobre a história desse instrumento, vale a pena dar uma conferida! É só clicar aqui!
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