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Foto do escritorPaula Camacho

Menu Degustação: Manhattan Island Sessions

Atualizado: 21 de abr. de 2023




Paula: Como será que são as irish sessions em New York? Pois a fiddler Caitlin Warbelow no álbum chamado Manhattan Island Sessions buscou trazer exatamente essa sensação. Para quem nunca pode estar em uma session de lá, ou para quem quer reviver as boas memórias, ela juntou esta compilação de sets de algumas sessions de Manhattan que são nestes respectivos pubs: sessions de quarta a noite no Trinity Pub, sessions de domingo a noite no O'Neill's Pub e as sessions de segunda a noite no Wilfie & Nell's.

Eu conheci este álbum por volta de 2018 e eu gostava dessa sensação de estar em uma session super tradicional. Hoje, alguns anos depois e morando em Galway, na Irlanda, eu vejo que é isso mesmo. Tanto a sonoridade quanto o desenvolver dessa session acontece de uma forma muito parecida com as sessions que eu vejo por aqui. Às vezes acontece uma canção de um músico famoso como é o caso da Boots of Spanish Leather do Bob Dylan que, provavelmente não por acaso, é muito cantada nas sessions aqui; outras vezes são cantadas canções super tradicionais como The Factory Girl.

Eu tenho um carinho especial por esse álbum tanto porque eu o ouvia para me sentir em uma session dentro da minha casa quanto porque algumas tunes e canções eu aprendi tocando junto com ele como a tune Foxhunter’s slip jig, a canção do Bob Dylan e mais algumas que estão ali e são lindas.

Meu "próximo alvo” deste álbum é o reel Splendid Isolation: a primeira tune do último set composta pelo fiddler Brendan McGlinchey e que, como diz na descrição que consta no bandcamp do próprio álbum “ é uma ótima tune para se tocar onde este sentimento ocorre nunca e sempre”. Creio que este sentimento de ser muito sozinho sem nunca estar sozinho que temos ao morar em uma grande metrópole. Alguma semelhança com a cidade de São Paulo é mera coincidência. Ou não. Um sentimento interessante para mim é que naquela época, em 2018, eu colocava essas músicas para ouvir no celular às vezes enquanto estava no metrô, às vezes naquele horário de pico. E eu gostava muito porque era como se eu, mesmo estando fisicamente ali,sendo levada pela imensidão de pessoas, me transportasse para uma session. Hoje, quando ouço esse álbum novamente, obviamente que penso nas irish sessions mas também trago em mim a lembrança de ouvir essas tunes na baldeação entre as estações Paulista e Consolação às 18h. Uma Splendid Isolation!


Leo: Session não é show, como bem sabe o assíduo leitor d’O Pint Diário. E as diferenças vão além das que podem ser descritas com um cifrão. Sinto que há algo de mais espontâneo que ocorre quando os músicos presentes tocam não porque precisam, mas por pura diversão e amor à música. Tampouco uma session assemelha-se a uma situação de estúdio, em que as atenções estão totalmente focadas naquela tarefa de produzir um som mais definitivo, em que o produto final tem, em termos, o intuito de fazer-se embaixador daquela obra que o artista pretende vender, mostrar e orgulhar-se. Uma session, conquanto perde nas miudezas técnicas, ganha num aspecto que creio ser difícil reproduzir em outras condições. Ora, pois a session é regada a sucos etílicos, que lubrificam a criatividade e desintimidam quase tanto quanto a conversa e o clima amigável que costumeiramente permeiam essas situações. Sendo momento de baixíssima pressão e exigência do perfeito, tanto no executar quanto na captação, a perfeição parece aflorar de uma maneira mais misteriosa e, quem sabe, potente. Se um álbum ao vivo muitas vezes captura um tipo de exaltação do espírito humano difícil de reproduzir em estúdio, argumento que uma session traz um diferencial a mais na sua espontaneidade – que é tão poderosa e magnífica quanto difícil de se conjurar intencionalmente. Espontaneidade, impressa numa música como a que se ouve nas boas sessions, não se produz a partir do esforço – ouso dizer, inclusive, que é necessário abandonar todo esforço para que se permita ser o mais espontâneo o possível. Me chama muito a atenção, por exemplo, os comentários melódicos, improvisos ocasionais, alternâncias de vozes, variações e arranjos que vão se criando em tempo real de acordo com a sensibilidade musical desses músicos sensacionais. Tudo isso aliado, claro, aquele “calor do momento” que faz o coração pulsar com uma força que nenhum “super baixo” de foninho de ouvido chinês jamais conseguiu produzir. Ah, meus amigos, o ser humano é capaz de tantas coisas interessantes quando as suas ações, produtos de sinais elétricos que sobem e descem pelo corpo, páram de fazer escala no burocrático pedacinho racional do cérebro e vão direto ao ponto. É por essas linhas que acho tremenda a experiência de uma session, uma manifestação humana tão verdadeira que não poderia ser concebida por nenhum plano ou elaboração premeditados. Estão de parabéns os músicos da Manhattan Island Sessions.


Gustavo: Existe amor em New York? Pelo menos nas madrugadas agitadas da Grande Maçã é possível ouvir que sim. A degustação deste mês é feita de gravações de uma série de sessions do distrito de Manhattan e como tal, o álbum não é coeso e não é mesmo pra ser, sessions são assim mesmo.

O disco intercala sets de tunes e canções e cada faixa tem uma formação diferente, músicos e instrumentos variados e estilos distintos. É possível perceber que as influências vêm de muitos lugares, tanto da Irlanda quanto da América. “The Devil Had Ahold of Me” de Gillian Welch e “Boots of Spanish Leather” do Bob Dylan saltam aos ouvidos como claros exemplos da influência estilística americana, menos evidente porém é o último set “Splendid Isolation - Old Bush - Star of Munster” tocado aqui com o sangue nos olhos de quem ouviu muito Liz Carroll, Eileen Ivers.

Ouvir esse álbum me fez lembrar muito do meu grande amigo, o nova-iorquino da gema, Danny Littwin, que me ensinou muito e que provavelmente conhece praticamente todo mundo que está tocando no disco.


Mila: Sabe aqueles dias em que tudo o que você quer é entrar no clima de uma boa session ou matar a saudade de estar em um pub irlandês? Esse álbum é perfeito para isso! Diria até que dá para sentir o cheiro de Guinness no ar. Ao fundo da música em primeiro plano se escuta o barulho das torneiras enchendo os pints, pessoas conversando e/ou fazendo silêncio total quando o “shhhh” é feito por algum membro da session para que todos se calem quando alguém está prestes a cantar.

Tunes tradicionais se misturam com tunes modernas e canções irlandesas se misturam com outras do folk e bluegrass americano, incluindo versões de ‘Boots of Spanish Leather’, de Bob Dylan, e ‘The Devil Had Ahold of Me’ de Gillian Welch.

Adorei a versão de ‘My Mind Will Never Be Easy’, que eu só conhecia como um slipjig, e aqui tocada como jig. O último set do álbum ‘Splendid Isolation/ Old Bush/ Star of Munster’ está particularmente sensacional com a flauta e o violino guiando a melodia de formas diferentes mas de extremo bom gosto.

É muito interessante assistir e tocar em uma session nova-iorquina. A influência e a cultura da música irlandesa é muito forte por conta da imigração - fora o fato de que muitos artistas irlandeses acabam se mudando para a “Big Apple” por terem oportunidades interessantes na carreira musical - mas também vários aspectos musicais são sutilmente diferentes, talvez pela influência de outros gêneros… ou até por ter um aval de liberdade de improviso e expressão na tradição musical, o que pode ser um pouco perigoso na Irlanda.






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