Você sabia que existem formas diferentes de tocar bodhrán?
Na verdade, quase existem tantas formas quanto tocadores! Variar a técnica e o estilo é comum no mundo da música, mas é especialmente flagrante nesse instrumento de percussão tão peculiar. Isso acontece porque, pode-se dizer, ainda estamos em fase de desenvolvimento e aperfeiçoamento técnico, já que o bodhrán é bastante novo quando olhamos para ele aplicado na música tradicional irlandesa como conhecemos hoje.
Como vocês podem notar, eu falo em estilo e em técnica, então vamos separar as coisas.
A técnica compreende a forma de segurar o tambor e a baqueta, a posição das mãos e da baqueta no instrumento e como movimentá-las com o intuito de obter um som de timbre equilibrado, com controle de todas as variáveis, velocidade, resistência e relaxamento.
Estilo, por sua vez, são as escolhas estético-musicais que o artista faz: desde o tambor (tamanho, tipo de pele, com fita ou sem), passando pelas baquetas, culminando nos sons desejados, como eles vão se relacionar com os sons dos outros instrumentos e como o discurso expressivo vai ser construído e desenvolvido.
Inicialmente a técnica e o estilo estavam intimamente ligados, uma vez que certa técnica privilegia certos recursos de um estilo, mas quando a técnica é trabalhada, essa dependência desaparece, o músico vai ganhando liberdade para tirar do instrumento o som que ele quer.
Quando este que vos fala andava às voltas com os escassos recursos e materiais que existiam sobre a música irlandesa e o bodhrán, tempos de Orkut, ouvia-se falar em duas formas: Kerry Style e Top-end Style. E digo naquela época porque, como estamos em desenvolvimento, a compreensão e a forma de chamar as coisas foram amadurecendo.
Kerry é um condado no sudoeste da Irlanda (lindíssimo por sinal), então supostamente nessas terras se tocava da forma que leva o seu nome. Há quem o tenha chamado Traditional Style, mas ambas as formas são consideradas tradicionais atualmente. Sua característica principal é a baqueta ser usada em ambos os lados, atacar na metade inferior do instrumento e a mão esquerda trabalhar de cima para baixo, onde os sons mais graves são obtidos com a mão posicionada na parte superior e os agudos com a mão na parte inferior. Hoje em dia chamamos essa técnica de Double Ended e ela possibilita um acompanhamento fluido, muito ligado à melodia, sons mais graves e opacos e a ornamentação feita com a parte de cima da baqueta.
Em oposição a esse estilo, apareceu o chamado Top-end, onde o músico atacaria na metade superior da pele, impossibilitando usar o lado de cima da baqueta; a mão esquerda, por sua vez, trabalha ao contrário, fazendo os graves em baixo e os agudos em cima. Adivinha como ficou o nome agora? Single Ended! Modern Style também já foi usado, mas chamar um estilo de moderno pode dar a entender que ele é objetivamente melhor do que qualquer outro, e isso não é verdade. Essa técnica privilegia agudos marcantes, e a falta da ornamentação feita com ambos os lados da baqueta exigiu que a técnica se desenvolvesse em outro sentido, obrigado o músico a dobrar a velocidade ou repetir ataques para baixo ou para cima para obter o mesmo resultado (paradiddles!), isso obviamente trouxe novas possibilidades. Foi por esse estilo permitir uma diferença muito clara entre graves e agudos que batidas de bateria (tum-pá, tum-tum-pá) entraram na música tradicional.
A conversa e troca de informação entre os músicos, paralelamente ao desenvolvimento dos próprios tambores, foi terreno fértil para que os elementos de ambas as técnicas se fundissem e gerassem estilos cada vez mais ricos. Grooves variados, acompanhamentos melódicos e linhas de baixo são possibilidades para qualquer técnica. Ornamentação com a parte de cima da baqueta também pode ser feita por quem usa majoritariamente só um lado, e paradiddles e notas agudas também para quem usa os dois. O importante é buscar a sonoridade que mais nos agrada e usar das ferramentas que temos para expressar a nossa musicalidade!