O QUE SÃO TUNES?
Antes de chegarmos à pergunta central, sobre como aprender e praticar tunes, talvez valha esclarecer o que as tunes são.
Quem cai de cabeça no universo da música irlandesa, ou mesmo nos escritos d’O Pint Diário, depara-se com o uso (talvez excessivamente) coloquial do termo “tune”. A definição desse termo, porém, costuma vir um pouco depois, e é mais comumente aprendida na prática. AH, isso são tunes!
Em poucas palavras, tunes são temas. Tipo Whiskey In The Jar? Não, Whiskey In The Jar é uma canção – uma popular drinking song. O nosso colega de Pint Diário, Gustavo Lobão, lembra de ter ouvido na Irlanda uma definição espetacularmente destilada: “we sing songs and we play tunes”. Nós cantamos canções e tocamos tunes. Tunes são temas instrumentais. Temas cíclicos, maaaaaaais ou menos como os do choro ou do jazz, e são tocados em uníssono ou às vezes como base de improvisos.
Mas há algo aí que vai além da mera definição: as tunes irlandesas são mais como histórias populares. Dependendo, claro, do músico e do ouvinte, elas podem ser pictóricas e parecem descrever paisagens, personagens e situações – outras são mais sensoriais, retratando sentimentos – outras funcionam como uma entrada num diário de viagem musical e acabam nos remetendo a lugares, épocas e pessoas – enfim, elas são pedacinhos de brisa que são passados de boca em boca (ou melhor, de instrumento em instrumento) entre os irlandeses e todos os que tocam esse tipo de música pelo mundo. O violonista / bouzoukista / bandolinista novaiorquino Danny Littwin, que mora há anos no Brasil, me contou de certa vez que ouviu uma tune chamada The Arrival Of Martin O'Sullivan ser puxada numa session em Doolin, na Irlanda e, ao pôr-se a tocar junto, muito assombrou o instrumentista que puxava. Este, por sua vez, perguntou: “de onde você conhece essa tune?”, ao que Danny respondeu “eu compus ela!”. Para encurtar a história: a tune que Danny compusera havia sido levada pelo famoso gaiteiro Jerry O'Sullivan para sua banda, The Eileen Ivers Band, que a popularizou – e a tune acabou chegando naquela session antes de seu compositor.
•••
E COMO SE REPRODUZEM?
É comum, então, que muitas tunes venham acompanhadas de uma história sobre como ela foi composta, ou aprendida, ou sobre quem costumava tocá-la bastante ou com especial beleza.
Nisso, há claramente aquela supracitada dimensão de “cultura oral” na disseminação de tunes, cada uma um “conto popular” que é contado por sessions, palcos e streamings mundo afora. E, como boa cultura oral, a música tradicional irlandesa nos brinda com a curiosa anedota de que as tunes, em geral, possuem mais de um nome. Segundo o livro "Folk Music and Dances of Ireland", de Breandan Breathnach, há algo como 3 vezes mais nomes do que tunes – e sabe-se que a The Perthshire Hunt (A Caçada de Perthshire, ou A Caçada Do Condado De Perth) tem pelo menos 60.
Gosto de pensar que esses nomes são as marcas que o tempo vai deixando nas tunes, porque é como cada grupo de pessoas a conhece e ao que associa. Às vezes, uma tune pode levar mesmo o nome do sujeito que a compôs, como no caso das Christy Barry jigs. Mas, muito mais comumente, uma tune pode ter chegado anônima a uma session, trazida por fulano, que sempre gostava de puxá-la quando podia – sendo assim eventualmente batizada de “Fulano’s Favourite” (A Favorita Do Fulano). Na maioria dos casos, o nome de uma pessoa indicado no título de uma tune não se refere ao autor, e sim, muito mais, a uma pessoa que a popularizou.
Uma tune bastante conhecida, a reel The Glass Of Beer (O Copo De Cerveja), é também conhecida, segundo o site TheSession.org, como Chase Her Through The Garden (Persiga-a Pelo Jardim), Flight Of The Earls (Fuga dos Condes), Johnny Maguire’s (A Do Johnny Maguire), The Jug Of Beer (O Jarro De Cerveja), Listowel Lasses (As Moças de Listowel), MacFadden’s (A Do MacFadden), McFadden’s (A Do McFadden).
Não é incomum, também, que tunes diferentes tenham o mesmo nome, como é o caso de dois reels que se chamam Toss The Feathers (Jogue As Penas). E versões diferentes de tunes também vão surgindo nesse efeito telefone-sem-fio, muitas vezes preservando algum resquício filogenético no nome, como no jig The Quaker's Wife (A Esposa Do Quacre) que, segundo o flautista Kevin Crawford (da banda Lúnasa) é uma derivação do jig Merrily Kiss The Quaker (Alegremente Beija O Quacre) – e é, de fato, notável a relação de parentesco entre as melodias. Às vezes, mesmo as tunes mais "carne de vaca" po dem nos pegar desprevenidos: uma vez, numa session em Dunedin, Nova Zelândia, me surpreendi ao tentar acompanhar os músicos na The Kid On The Mountain, um slip jig bem conhecido, mas que tinha sofrido um processo de especiação ali, gerando uma versão própria das sessions de Dunedin.
Nomes de tunes podem ser bastante pitorescos, como no caso da Minor Slip (Slip Menor), que também é conhecida como Throw The Beetle At Her (Jogue O Besouro Nela). Ou então em The Leg Of A Duck (A Perna De Um Pato), Bang Your Frog on the Sofa (Bata Seu Sapo No Sofá), Come Back with my Bloody Car (Volte Com O Meu Maldito Carro), The Eel in the Sink (A Enguia Na Pia), If I Ever Marry, I Am a Son of a Whore (Se Algum Dia Eu Me Casar, Eu Sou Um Filho De Uma Profissional Do Sexo), Pull the Knife out and Stick it Again (Tire A Faca E Enfie Novamente) e Good Morning To Your Nightcap (Bom Dia Para A Sua Saideira).
E, como sempre falamos por essas bandas, esse é um gênero musical moderno e vivo, e as tunes continuam ganhando novas marcas temporais – como vemos nos casos de Luke Skywalker Walks On Sunshine (Luke Skywalker Anda Sobre O Brilho Do Sol) e The Last Patient (O Último Paciente, escrita nos primeiros meses da Pandemia de 2020 pelo fiddler brasileiro Élcio Oliveira, frontman da banda Terra Celta, e que também é médico).
NOTA SOBRE AS TRADUÇÕES: traduzi os nomes das tunes da forma mais literal possível, e fiz isso apenas para facilitar a compreensão. Essas traduções não refletem qualquer poeticidade que porventura emana dos nomes originais.
No vídeo abaixo, o flautista Brian Finnegan conta a história sobre como compôs a sua tune Night Ride To Armagh, que foi tocada pelos seus conjuntos Flook e Kan (sobre o qual, inclusive, escrevi para O Pint Diário):
Para quem se interessar por mais curiosidades e fritações sobre o tema das tunes, recomendo este vídeo que fiz para a série youtúbica “Música Celta Não É Enya”:
E agora, para a nossa Pergunta Magna: Como Aprender E Praticar Tunes?
•••
QUAL TUNE TIRAR?
Se você não sabe por onde começar, comece pelo que você gosta! Talvez tenha uma tune que uma banda conhecida toque e você gostaria de aprender também. De repente você ouviu uma tune numa session que te chamou a atenção de uma forma especial. Ou talvez você esteja procurando criar um repertório básico – nesse caso, fica aqui uma breve listinha de tunes relativamente fáceis (as mais fáceis marcadas em negrito) para iniciantes, que dificilmente passariam desacompanhadas numa uma session brasileira (todas elas podem ser tocadas por uma simples tin whistle em D):
Banish Misfortune (jig, D mix)
Boys Of Malin (reel, A)
The Butterfly (slip jig, Em)
Cooley's (reel, Em)
Drowsy Maggie (reel, Em)
Earl's Chair (reel, Bm)
Gravelwalk (reel, A dor)
Harvest Home (hornpipe, D)
Inisheer (valsa, G)
Irish Washerwoman (jig, G)
John Ryan's (polka, D)
The Kesh (jig, G)
Kid On The Mountain (slip jig, Em)
King Of The Fairies (hornpipe, E dor)
Morrison's (jig, Em)
The Musical Priest (reel, Bm)
Out On The Ocean (jig, G)
Si Beag Si Mor (valsa, D)
Silver Spear (reel, D)
The Swallowtail (jig, Em)
Para saber mais sobre os diferentes ritmos da música irlandesa (jig, reel, etc), leia "Alguns Irish Ritmos Para Iniciantes", artigo da nossa redatora Paula Camacho.
•••
EU NÃO SEI O NOME DA TUNE QUE QUERO TIRAR
Nem sempre nós sabemos o nome da tune que queremos tirar. Na verdade, quase nunca sabemos. Às vezes essa tune foi tocada dentro de um set (um conjunto de tunes) cujo nome era dado por outro tema, ou sequer tinha relação aparente com a tune em questão. Ou às vezes ela foi gravada com um nome tão desconhecido que não traz nenhum resultado frutífero no Google. Para resolver esta questão, estamos munidos de algumas ferramentas de alta performance para identificação de tunes:
THESESSION.ORG: todas as estradas virtuais acabam levando ao TheSession. Lá é o maior fórum internacional e receptáculo de tunes do planeta. Para quem fala inglês, é a melhor alternativa para descobrir “qual é a tune que toca no meio daquela faixa do Eluveitie?”, ou “será que as flautas deste flutemaker são boas?”, ou “quais outros nomes essa tune tem?”, ou “onde encontro uma partitura dessa tune?”, ou “quem gravou essa tune?”... e assim vai. Se uma discussão ainda não existe para a sua questão específica, crie uma nova e receba respostas de pessoas do mundo todo que têm experiência e sabem do que estão falando.
MÚSICA IRLANDESA NO BRASIL: como alternativa para os que preferem o bom e velho português, há este belo fórum facebúquico, criado nos idos de 2011, pelo Danny Littwin. Além de um espaço para compartilhar vídeos, memes e trabalhos, o grupo é sempre bastante prestativo quando alguém traz alguma pergunta.
TUNEPAL: não consegue descobrir de jeito nenhum qual é o nome da tune? Tente este site/aplicativo sensacional chamado tunepal.org. Trata-se de uma ferramenta simples de reconhecimento de melodia, um "Shazam" da música irlandesa: toque a tune e o site te diz qual o nome! ...com algum grau de certeza. Nem sempre o tunepal acerta, mas, mesmo que não ache de primeira, vale à pena dar uma insistida nele e tocar a tune mais lentamente.
O PINT DIÁRIO: Se mesmo assim você ainda não consegue descobrir o nome da tune, manda uma mensagem pra gente!
•••
LER OU NÃO LER: EIS A QUESTÃO
Mas eu não sei ler partitura!
A boa notícia, minhas distintas e meus distintos, é que partituras não são cruciais no estudo da música irlandesa. Elas podem ajudar? Sim. Elas podem, inclusive, facilitar? Discutivelmente, e por certos ângulos, sim. Mas a verdade é que, como boa cultura popular, as tunes irlandesas são aprendidas de ouvido. Aprender de ouvido é, para uns, um grande alívio – e, para outros, um tanto aterrorizante. Pessoalmente, sou do time que se sente mais intimidado pela notação gráfica, então me acostumei a aprender de ouvido, no “estilo tradicional”. Mas também tenho investido em estudar e praticar a leitura da notação, e não posso negar que há benefícios em colecionar formas diferentes de se compreender e aprender música. Fica, então, a seu critério, decidir o método ideal para tirar tunes – quem sabe, até, desenvolver o seu próprio.
Convém, apenas, deixar um esclarecimento sobre as partituras de tunes irlandesas. Elas são o equivalente dos artigos do Wikipedia: use e abuse, mas sabendo que não são 100% confiáveis e perfeitas. Compare-as (no TheSession, elas tocam um MIDI) com a forma como a sua versão favorita toca. Algumas dessas partituras são melhores e outras nem tanto – algumas tunes têm versões diferentes e nenhuma das partituras que você encontrar vai reproduzir exatamente a versão que você ouviu. E nenhuma, absolutamente nenhuma partitura dá conta da expressividade, linguagem e poesia da música irlandesa – mas isso é assunto para outro artigo.
•••
MÉTODOS PARA TIRAR TUNES DE OUVIDO
São vários – talvez tão variados quanto há músicos aprendendo tunes por aí. Mas todos começam mais ou menos do mesmo jeito: ouvindo. Este é um ouvir cuidadoso, para além do mero "escutar", e que vai se treinando e especializando com o tempo – se assemelha um pouco ao ouvir de uma história, que, apoiando-se numa estrutura narrativa minimamente previsível, revela mensagens próprias. Essas mensagens podem não estar muito claras a princípio, mas o ouvir nos familiariza com aquela história, e nos deixa mais versado no que ela diz e pode dizer. Dito isso, cada um de nós se envereda por procederes próprios para chegar no ponto de contar essa história com as próprias palavras. No fim das contas, a experiência parece sempre nos ensinar que aprender uma tune não é (e não deve ser) muito diferente do que aprender um conto popular.
COMO O TOLA CUSTY APRENDE UMA TUNE: Recentemente, em live com O Pint Diário, a fiddler brasileira Ana Cardon contou sobre um método que ouviu do fiddler irlandês Tola Custy. Diz ela que Custy se organiza para aprender uma tune em 7 dias. O primeiro é apenas reservado para ouvir, e o segundo, ainda, para uma ouvida mais “ativa”, cantando junto. A partir do terceiro dia, ele começa a tentar tocar no seu instrumento sozinho, e então acompanhando gravações, progressivamente aumentando o “nível de dificuldade” até que, no sétimo dia, ele já está tocando do jeito que quer, com variações e tudo o mais, fazendo a tune adquirir a sua própria expressividade.
COMO EU APRENDO UMA TUNE: Da minha parte, não tenho a experiência e versatilidade de um Tola Custy, então às vezes um tempo um pouco maior se faz necessário. Mas gosto de começar do mesmo jeito: ouvindo ad nauseam. Passo um ou alguns dias ouvindo a tune que quero aprender em diversas gravações diferentes, que são ângulos de visão diferentes sobre ela, para conhecê-la da forma mais “tridimensional” que consigo. Às vezes gosto de sair para caminhar ou correr ouvindo a tune e tentando me deslocar no ritmo dela. Dependendo da complexidade da tune, isso pode demorar uns dias, mas eventualmente me encontro assobiando a dita cuja. Nesse momento eu sei que a minha mente já “mapeou” a tune razoavelmente bem, e então parto para tentar tocá-la numa flauta. Acho bastante útil, como ferramentas de auxílio, buscar a tune em questão no YouTube e usar a ferramenta de redução de velocidade dos vídeos para compreender melhor cada nota individualmente e depois praticar acompanhando. Às vezes busco também uma partitura no TheSession para tirar uma dúvida ou outra sobre notas. Com uns dias nessa prática, parto para tentar acompanhar gravações e, finalmente, para tocar sozinho, ou numa session, ou junto com a minha estimada cônjuge violonista, ou com a banda em que flauteio. Na minha experiência, são necessários muitos dias, semanas, talvez até meses para ir pegando mais intimidade com o tema, lapidando e explorando todas as suas possibilidades. Mas a minha experiência ainda é parca.
COMO PAULA CAMACHO APRENDE UMA TUNE: "Bom, na verdade eu tenho dois processos diferentes. Um é quando eu tenho a intenção de tirar uma tune, e, no outro, a tune fica ressoando na minha cabeça e tocar no instrumento acaba sendo só uma consequência rs. No primeiro caso eu coloco a tune para ouvir e ouço por muito tempo. Depois canto junto porque quando a música está na cabeça, está debaixo dos dedos também. Depois disso eu começo a tirar parte por parte, às vezes usando o vídeo mais lento ou, se ela está bem memorizada, vou com a melodia da cabeça. E vou tocando junto com a gravação para começar a me entender com a linguagem (acentuação, ornamentação). O segundo caso geralmente acontece quando eu já acompanhei uma tune muitas vezes com o violão. Toquei a harmonia tantas vezes que a melodia está na ponta da língua (ou dos dedos). Para acompanhar, você precisa conhecer a melodia, né. E tem um terceiro caso, também, que é quando eu preciso tirar uma tune em pouco tempo. Eu pego a partitura dela e vou lendo e tocando junto com a gravação. Assim eu aprendo a melodia pela linguagem e pela gravação!"
COMO MILA MAIA APRENDE UMA TUNE: "Idem!! Tirando a parte do violão, é exatamente assim que eu aprendo tunes novas! Maaas, uma coisa interessante - por tocar flauta há muitos anos e o dedilhado não ser um desafio, consigo aprender a tune sem tocar no instrumento. Porém, agora com o banjo, a relação é totalmente diferente! Mesmo que eu saiba pra onde a tune tem que ir, meu dedo necessariamente não vai no lugar certo, e isso faz eu associar a melodia de outra forma o que tá sendo demais! Até porque a expressão de um instrumento de sopro e de um banjo são totalmente diferentes... então a ornamentação é outra, o fraseado é outro... isso tá sendo bem legal! Estudar uma tune em instrumentos diferentes é um ótimo jeito de analisar a tune mais profundamente."
PERCUSSIONISTAS TÊM QUE APRENDER TUNES? O nosso bodhráni Gustavo Lobão responde: "gostei de uma resposta da Ana que vou usar pra responder a tua pergunta: pode ser tão difícil o quanto você quiser. Ou seja, há níveis. Se eu souber se é um jig, ou reel ou slipjig, já consigo tocar junto. Depois, quantas partes tem, pra poder fazer variações. É assim que eu me viro nas sessions quando eu não conheço as tunes. Para além disso é que a coisa começa a ficar de fato interessante. Como na música irlandesa o que importa mais é a melodia e não a "cozinha", é ela que vai guiar tudo o que acontece em volta - em oposição a se apoiar em uma estrutura rítmico-harmônica pré-estabelecida como no samba, ou no pop, ou na salsa. A.k.a Groove. Para isso é indispensável conhecer a tune. É claro que eu não vou saber as notinhas todas e dificilmente vou conseguir passar pra outro instrumento sem passar por um processo. Mas eu tenho que conseguir cantar. Depois vem o conhecer o como os músicos que tocam comigo tocam aquela tune. Fraseado, acentuação, variações, articulação e ornamentação. E por fim quais são os caminhos harmônicos da tune, o que também depende de quem toca. Nesse caso, da galera da harmonia. Especialmente o caminho da linha de baixo. O papel do bodhrán nesse meio é acompanhar todos esses aspectos, chamando a atenção e valorizando eles. Acho isso mais importante até do que "manter o ritmo". Se todo mundo estiver em função do mesmo, o ritmo se mantém. A melodia se basta pra isso, ela de fato não precisa de mais ninguém. Se não for pra acrescentar valor a ela eu não estou fazendo nada. Mas claro que isso é num contexto específico. Quando o bodhrán está com formações diferentes ou quando a proposta é diferente ele pode, sim, assumir o papel de "metrônomo", ou segurar o groove, ou frasear em cima de um groove, por exemplo."
PROFESSORES E TUTORIAIS: Há, já, no Brasil, uma certa variedade de professores, online e presenciais, que ensinam tunes e técnicas da linguagem irlandesa. Para quem se sentir um pouco mais à vontade com o inglês e com os euros, existe também a opção de comprar uma assinatura da Online Academy Of Irish Music (Academia Online De Música Irlandesa), uma instituição que reúne cursos pré-gravados de todos os instrumentos tradicionais (bodhrán, bouzouki, acordeão, concertina, flauta, violão, harpa, fiddle, bandolim, piano, canto, banjo tenor, tin whistle e uilleann pipes), do mais básico ao avançado, ministrados por grandes e renomados músicos irlandeses – veja, abaixo, uma aula gratuita de Irish flute (não confundir com tin whistle e nem com flauta transversal de concerto) do Kevin Crawford, para a OAIM. Outros tutoriais também podem ser encontrados YouTube afora – até mesmo em português (como os do Thon Whistler, que ensina alguns temas irlandeses, além de músicas medievais e trilhas de filmes e videogames).
Tem um “método” próprio que você gostaria de compartilhar? Deixa nos comentários aqui ou conta pra gente nas nossas redes sociais!
•••
PARA PRATICAR
Também variam as formas de cada um praticar. O mais importante, porém, é praticar em ritmo lento. Alguns têm predileção pelo estudo com metrônomo. Grandes benefícios vêm deste tipo de estudo: ele facilita não só a navegação rítmica da música irlandesa como clarifica tremendamente a sequência de notas de cada tune, liberando a mente para, numa apresentação ou session, se preocupar com a ornamentação e expressividade. Estes, aliás, também merecem um estudo focado, de forma a comporem uma “caixa de ferramentas” expressivas que se colocam à sua disposição quando você estiver tocando. Mas isso também é assunto para outro artigo.
Vale lembrar que o estudo da música – sobretudo da música irlandesa – não é necessariamente “melhor” se concentrado por muitas horas distribuídas em poucos dias da semana. Na verdade, ouso dizer (e não estou sozinho quando o digo) que é melhor praticar um pouquinho todo dia, ou quase todo dia – nem que seja 10 a 15 minutos, se é o que for possível. É a constância, a freqüência e (sem sombra de dúvidas) a intenção forte de aprender, que vão trazer muito mais resultado do que a contabilização de “horas bunda sobre cadeira”.
Uma vez, a Mila Maia (idealizadora d’O Pint Diário, que me ensinou muito do que sei hoje na flauta) me deu a dica de estudar as tunes marcando de forma exagerada o ritmo, e também praticá-las dentro de ritmos que não necessariamente têm a ver com o Irish. Por exemplo, um baião. Vim descobrir que, como ela sugeria, realmente é um hábito interessante que nos confere ainda mais flexibilidade e clareza para tocar aquelas notinhas todas certinhas e dentro de uma estrutura rítmica. Lembro-me, também, de uma fala do Bruce Lee, que ouvi do fiddler/bandolinista Rik Dias (que, por sua vez, ouviu do músico Rodrigo Battello): dizia o mestre das artes marciais que devemos estudar muito uma técnica para nos permitir esquecer dela na hora de irmos ao combate.
E, aproveitando essa nota, acrescento: a prática da música irlandesa também deve ir além do cantinho silencioso com metrônomo. É bastante proveitoso treinar com vídeos do youtube, gravações e playlists – sem contar, claro, com as sessions presenciais! Existe uma dimensão dinâmica que também merece atenção, que envolve a habilidade de se manter junto com outros músicos – seja tocando a melodia em uníssono com outros melódicos ou seguindo uma harmonia ou ritmo dados. Isso significa, inclusive, saber contornar tropeços e erros próprios – ou seja, voltar a subir no bonde andando sem perder o compasso e, por quê não, transformar erros em algum tipo de acerto. Envolve, também, a habilidade de transitar rapidamente de uma tune para outra – num set que pode ter sido puxado por outro músico ou, até mesmo, por você! Onde se faz valiosa, também, a prática daquele “cardápio mental de tunes” que a gente acaba desenvolvendo. Esse é o momento em que a gente começa a esquecer os nomes das tunes: mais importante é lembrar das melodias, especialmente enquanto tocamos outras melodias. Uma parte significativa no “jogo” da session é bolar seqüências interessantes e talvez inusitadas de tunes. E, a bem da verdade, o estudo das tunes também se torna muito mais divertido quanto mais tunes a gente aprende – não só porque vai ficando cada vez mais fácil aprender novas tunes, mas porque montamos um “tunebook” cada vez mais diverso.
•••
TUNEBOOK
Cada pessoa “guarda” a sua lista de tunes de uma maneira própria. Conheci músicos com aquela memória prodigiosa, de saber sempre a tune certa para o momento certo! Mas, como a minha memória não é lá essas coisas, fui atrás de formas práticas e concretas de guardar as tunes que tiro pela vida. O TheSession oferece um recurso de criação de um “perfil”, que permite salvar uma lista de tunes, criando, assim, um “tunebook” virtual. Este “tunebook” hosteado pelo TheSession pode ser acessado tanto pelo site quanto pelo aplicativo “TradMusician”, disponível para android (que se permite sincronizar com o seu perfil do TheSession).
Pessoalmente, acho este combo “TheSession + TradMusician” bastante útil para manter uma lista de tunes de fácil acesso no meu celular. Costuma ser especialmente útil em sessions e ensaios, quando preciso me lembrar de uma melodia e dá aquele “branco” na cabeça.
•••
PLAYLISTS
Além disso, tenho também aderido ao hábito de criar uma playlist com diversos sets contendo as tunes que toco. É divertido sair pelo Spotify caçando gravações interessantes de sets para acompanhar – e é divertido soltar o shuffle, simulando uma session particular (essas coisas que a Pandemia nos ensinou). Muitas vezes, simplesmente tocar junto com essa playlist já constitui boa parte do meu treino diário – e, nesse shuffle, sempre encontro alguma tune que precisa de um carinho do metrônomo. Para quem se interessar, é ela aqui embaixo (recomendo abrir no Spotify porque esta plataforma não comporta a totalidade da playlist):
Meu amigo e parceiro de banda, Felipe “Tupã” Monteiro, tem sua própria playlist de prática, com as tunes que ele toca no banjo e bandolim:
Ainda, o amigo bodhráni e luthier Vinicius Fragazi montou sua própria playlist, com as tunes mais comuns de se ouvir nas tradicionais sessions paulistanas do Deep Bar 611:
Você tem sua própria playlist ou jeito de praticar tunes? Conta pra gente aqui nos comentários ou nas nossas redes sociais!
Comentários